No universo do desenvolvimento de software, a engenharia de prompts está emergindo como uma disciplina crucial. A habilidade de extrair respostas precisas e úteis de Modelos de Linguagem Grandes (LLMs) tornou-se uma vantagem competitiva. No entanto, um aspecto fundamental dessa nova arte está sendo largamente ignorado: a engenharia de um bom prompt pode, e vai, mudar silenciosamente dependendo do modelo utilizado. Muitos tratam os LLMs como uma entidade monolítica, esperando que um “prompt mestre” funcione universalmente, mas a realidade é muito mais complexa e cheia de nuances.

A verdade é que não existem dois LLMs iguais. Assim como diferentes linguagens de programação têm suas próprias sintaxes e paradigmas, os LLMs possuem “personalidades” distintas, moldadas por suas arquiteturas, dados de treinamento e processos de ajuste fino. Um modelo treinado com um foco massivo em código-fonte de repositórios públicos se comportará de maneira diferente de um que foi otimizado para diálogo criativo. Essas diferenças não são apenas superficiais; elas influenciam a maneira como o modelo “raciocina”, interpreta a ambiguidade e estrutura suas respostas. Para um desenvolvedor, isso significa que a forma de pedir a geração de um snippet de código em Python, a explicação de um algoritmo complexo ou a criação de documentação técnica precisa ser adaptada ao “dialeto” específico do LLM em questão.

Essa variação é o ponto cego da engenharia de contexto atual. Vemos uma proliferação de guias e “receitas de bolo” para prompts, mas raramente eles vêm com uma etiqueta especificando para qual modelo foram projetados. Um prompt cuidadosamente elaborado para gerar testes unitários com o modelo A pode produzir resultados medíocres ou verbosos com o modelo B. Essa falta de conscientização pode levar a ciclos de frustração, onde desenvolvedores acreditam que a ferramenta é inadequada, quando, na verdade, a comunicação que está desalinhada. A engenharia de prompt eficaz, portanto, não é sobre encontrar uma fórmula mágica, mas sobre desenvolver a sensibilidade para entender as tendências e particularidades do LLM com o qual se está interagindo.

Para nós, desenvolvedores, isso significa que a experimentação e a adaptação são essenciais. Ao integrar um LLM em um fluxo de trabalho, seja para automação de código, análise de logs ou suporte ao cliente, é preciso investir tempo para “aprender” o modelo. Testar variações de um mesmo prompt, observar como ele lida com a falta de contexto ou com instruções complexas e documentar o que funciona melhor é um passo que não pode ser pulado. A engenharia de prompt no desenvolvimento de software deve evoluir para uma prática mais parecida com a otimização de performance: um processo contínuo de medição, ajuste e refinamento, sempre considerando as características únicas da plataforma que está sendo utilizada. A próxima fronteira não é apenas criar bons prompts, mas criar os prompts certos para o cérebro certo.

Não-Determinismo e as “Personalidades” dos Modelos

Nem todos os LLMs são criados iguais. Mas essa afirmação apenas arranha a superfície. Para um desenvolvedor de software, entender o porquê dessa variação é o que transforma a frustração em produtividade. A questão vai muito além dos dados de treinamento; ela reside na arquitetura, na filosofia de fine-tuning e, crucialmente, em uma característica inerente a esses modelos: o não-determinismo controlado.

Imagine o seguinte cenário: você pede a dois LLMs diferentes para “criar uma função em Python que valide um CPF”. O Modelo A retorna um código enxuto, idiomático, usando uma expressão regular e sem comentários, assumindo que você é um desenvolvedor experiente. O Modelo B, para o mesmo prompt exato, entrega uma função muito mais longa, com validação passo a passo, try-except blocks, type hints e comentários detalhados explicando a lógica por trás de cada dígito verificador. Nenhum dos dois está “errado”, mas eles operam sob filosofias distintas. O Modelo A pode ter sido otimizado para concisão e uso em ambientes de programação competitiva, enquanto o Modelo B foi ajustado com um viés para segurança, clareza e fins educacionais, priorizando um código que seja fácil de entender e manter, mesmo que mais verboso. Essas “personalidades” são o resultado direto de como os modelos foram refinados após o treinamento inicial, um processo que ensina não apenas o que responder, mas como responder.

Agora, vamos adicionar uma camada ainda mais intrigante: o não-determinismo. Você executa o mesmo prompt, no mesmo Modelo A, duas vezes seguidas e obtém duas variações ligeiramente diferentes do código. Isso não é um bug; é uma das características mais poderosas e incompreendidas dos LLMs. A maioria dos modelos expõe um parâmetro chamado “temperatura”. Pense na temperatura como um “botão de criatividade” ou um “gerenciador de risco”. Com a temperatura em zero, o modelo se torna “determinístico” (ou o mais próximo disso): ele sempre escolherá a palavra ou token seguinte com a maior probabilidade estatística. O resultado é mais previsível e repetitivo, útil para tarefas que exigem consistência absoluta.

No entanto, quando aumentamos a temperatura, introduzimos uma aleatoriedade calculada. O modelo passa a poder escolher palavras que não são as mais prováveis, mas que ainda fazem sentido no contexto. É como um músico de blues improvisando sobre uma melodia. A estrutura básica está lá, mas as notas escolhidas a cada momento podem variar, criando uma peça única a cada execução. Para um desenvolvedor, isso é ouro. Ao pedir para um LLM “sugerir formas de refatorar este trecho de código”, uma temperatura maior que zero pode gerar três ou quatro abordagens válidas e criativas, em vez de apenas a mais óbvia e estatisticamente comum. Pode sugerir o uso de um padrão de projeto que você não havia considerado ou uma função de biblioteca mais moderna.

Essa dança entre a “personalidade” fixa de um modelo e a fluidez do seu resultado não-determinístico é o cerne da engenharia de prompt avançada. Significa que nosso trabalho não é apenas enviar uma instrução e receber uma resposta. É entender que estamos iniciando um diálogo com uma ferramenta que tem seus próprios vieses e um elemento de criatividade controlada. O prompt perfeito, portanto, não é estático. Ele pode precisar de ajustes dependendo se você está falando com o “arquiteto verboso” ou com o “codificador minimalista”. E, às vezes, a melhor solução vem de fazer a mesma pergunta algumas vezes, permitindo que a “sorte” do não-determinismo lhe mostre um caminho inesperado e inovador.